As recentes denúncias de censura e ilegalidades por parte da Suprema Corte brasileira, juntamente com a reativação da campanha em apoio ao Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, trazem novamente à tona o debate político sobre censura e liberdade de expressão. Surge então a questão: Devo apoiar a liberdade de expressão como um direito democrático da população? Minha resposta é sim. O recuo ou capitulação nesse terreno traz consequências nefastas para as mais importantes lutas políticas do nosso tempo.
Desde 7 de outubro de 2023, a questão palestina tomou o centro do debate político mundial. Houve um aumento na intensidade da luta política, não apenas nos países árabes ou de população islâmica, mas também em diversos países europeus e nos Estados Unidos, que estão mais diretamente implicados. Apesar da aparente calmaria e baixa intensidade da questão no contexto brasileiro, o poder incendiário da situação não pode ser subestimado.
Ao redor do mundo, os países ditos democráticos têm intensificado os esforços de censura e controle das redes sociais. Na Inglaterra, França e Alemanha, houve proibição de manifestações públicas em apoio aos palestinos. A repressão às manifestações foi justificada ora por um suposto incentivo ao antissemitismo, ora por perturbações à ordem pública. Em todos os casos, o explícito ataque aos direitos democráticos da população sucumbiu frente às grandes manifestações de rua. Em muitos casos, a repressão direta da população nas ruas se tornou insustentável.
Nos Estados Unidos, onde a questão palestina se tornou um ponto decisivo tanto na política interna quanto na externa, os processos de censura se tornaram mais evidentes, perpassando diversas esferas da vida pública e, em particular, as universidades. No final de 2023 e no início de 2024, as reitoras Liz Magill e Claudine Gay, da University of Pennsylvania e Harvard, respectivamente, pediram demissão sob pressão. No caso de Harvard, a primeira mulher negra a ser reitora da instituição.
Menos de um mês antes, em uma audiência no congresso, ambas mantiveram-se do lado da liberdade de expressão dos estudantes e se negaram a dar uma resposta clara sobre a repressão das manifestações pró-Palestina na universidade. É importante notar que as reitoras não expressaram nenhum apoio à causa Palestina e realizaram críticas aos conteúdos da manifestação, contudo se negaram a reprimir os estudantes, amparando-se na liberdade de expressão.
Diversos grupos estudantis, nas mais diversas universidades americanas, foram advertidos, suspensos ou expulsos por se manifestarem politicamente. Grupos estudantis que se manifestaram, mesmo que modestamente, em favor dos palestinos, foram perseguidos ou dissolvidos. Recentemente, o governador republicano do Texas, Greg Abbott, decretou a revisão das políticas de liberdade de expressão prevendo punições e aumentando a repressão sobre as manifestações em apoio à causa palestina. É justamente nas universidades, onde a juventude é politicamente mais ativa, que a repressão e a restrição à liberdade de expressão aparecem de maneira preeminente.
No Brasil, os agentes políticos que levantam sua voz em defesa da causa palestina sofrem algum tipo de censura. Por meio de processos e acusações infundadas de antissemitismo, associação com terrorismo e apologia ao crime, todos os processos e perseguições são impetrados pela horda bolsonarista e sionista. Para mencionar os casos conhecidos, Partido da Causa Operária (PCO), Breno Altman (PT) e José Genoino (PT), além daqueles de pessoas comuns que são silenciadas ou banidas das redes sociais sem que venha a público.
O enfrentamento em torno da questão palestina ilustra bem como as políticas de censura apenas fortalecem o aparato de repressão, infestando o clima político em todas as esferas da vida, inclusive na internet e nas redes sociais. Obviamente, aqueles que consideram a causa palestina secundária ou até mesmo aqueles que se opõem a ela não serão movidos pelos inúmeros exemplos.
A censura, perseguição política e repressão, aquilo que eufemisticamente chamaria de restrição da liberdade de expressão, não favorece em nada a luta de libertação dos povos oprimidos, como fica patente nos casos apresentados. A esquerda, que historicamente lutou pelos direitos democráticos da população, se encontra encurralada tendo que apoiar ou justificar a censura. Ao apoiar a criminalização da opinião e o sufocamento do debate público, seja por miopia, impotência, medo ou mero oportunismo, parte da esquerda abandona a luta política e acomoda sua própria cabeça na guilhotina.